sexta-feira, fevereiro 04, 2011

A PAPUTANGA

(...) A Paputanga dá em árvore aparentada da seringueira e, por isso, ao toque do fruto redondo que ocupa, em geral, uma palma de mão, sentimos um grande prazer tátil. Nem sequer podemos dizer que haja pele propriamente, muito menos uma casca distinta da carne que vai, ao contrário da maioria das frutas, amolecendo-se em direção ao centro onde se encontra o suco.

Seu perfume pouco se percebe até que damos a primeira dentada. Exala no romper dos gomos um cheiro profundo de planta verde mesclado a alguma espécie de chá familiar que não sabemos se vem de uma flor ou de uma folha. Ao fundo, uma nota seca, nada cansativa.

A textura é tão diferente que se nos dissessem os nativos que esta fruta caiu do céu e aqui se multiplicou, creríamos. Embora seja feita de um tecido denso, ao contato com a língua os nacos se dissolvem, sensíveis à saliva ou à temperatura da boca.

As cores e os sabores da Paputanga variam conforme as estações, mas em todas elas o fruto é sempre bom. No inverno, tem a cor do pêssego, com manchas acinzentadas. No verão, é vermelha, com tintas cor-de-laranja. Na primavera, é uniformemente cor-de-rosa e, no outono, é de um verde-musgo que evolui ao azul-marinho.

Passei a coletar e pintar sobre a mesma tela estas frutas em suas diferentes fases. Como os nativos jamais as vêem juntas, em cores diversas, uma vez que não há como conservá-las durante um ano inteiro, batizaram minha natureza morta de “tempos que não morrem”.

Embora o perfume da Paputanga não varie, os sabores se alternam em quatro estágios: na primavera, tem um gosto ensolarado à primeira mordida e, ao final, quando escorre o sumo de seu interior, é possível sentir algo do néctar das flores com que os pássaros-besouro matam a sede.

No verão, há qualquer coisa de alga marinha, um grão de sal bem distante que faz os sentidos se alterarem e produzirem na fronte a sensação de uma brisa úmida, como esta que vem do Atlântico, das correntes frias.

No outono, uma substância próxima da cafeína se sintetiza no fruto que sem ele não nos levantamos pela manhã. Em dias tristes, a Paputanga é um remédio que elimina todo o pensamento ruim. Tem o sabor das folhas secas maceradas em calda, levemente amadeirado, similar à noz moscada ou à canela.

No inverno, esta marca arbórea persiste, mas se diferencia em paladar achocolatado, não do cacau exatamente, mas do tabaco.

Os tamanhos, em cada estação, se transformam. As frutas crescem mais no verão, quando são suculentas, e, aos poucos, vão perdendo até um terço do volume, no inverno, quando se tornam cremosas (...).



Extrato de Bartolomeu Dantas, A invenção da felicidade, Editora Tocco, 1958, p.29.



Criação de Samira Feldman Marzochi