JOANA
Certa noite - era noite fria, mas fazia por dentro um bocado de calor - Joana se apercebeu.Entre uma página e outra, uma linha e outra, uma palavra e outra, lidas sem qualquer atenção; entre palavras soltas e pensamentos frouxos, fluxos desconexos de desatenção, flutuavam conceitos, metáforas, palavras-compostas e ocas, imiscuídas entre ansiedade e preocupação. A energia criadora da teoria sufocava-lhe e o devir, o devir de Joana, aparecia-lhe obscuro, intangível, enfraquecido e até mesmo impotente. Quanto mais lia coisas lindas e luminosas, mais enegrecia a face, até ausentar-se por completo, das palavras e de si.
Foi quando, num átimo, Joana se apercebeu. Vislumbrou que estava presa ao futuro, a um futuro idealizado, tão sonhado, acalentado nos dias frescos desde a mais remota infância - logo ela que fazia a defesa de uma filosofia do presente e o presente era ainda a matéria-prima de seus estudos. O futuro era a casa, a futura família reunida, os desejos de raiz e arborescência. O futuro era o cheiro da terra.
Mas Joana entendeu que não seria mãe, ou assim o desejou para poupar tantas dificuldades por vir. Seus desejos de infância já eram quimeras. - O deserto, ainda há o deserto, pensou. E adormeceu em movimento, correndo num grito mudo, enquanto sentia o cheiro de terra e o calor da frincha da pedra.
Ilana Feldman
3/06/2006


