sexta-feira, setembro 26, 2008

MORRE JOHN C. CAMPBELL

Na lua Titã, pátio de sua casa, morre o sociólogo John C. Campbell, às 15:40 h da Terra, Washington D.C.
Aos 69 anos, atingido na nuca por um fragmento de lixo espacial proveniente da sonda Cassini, J.C. Campbell não resiste ao ferimento e morre no local. Campbell dirigia o Instituto de Pesquisas Sociais desde 2005 do ano galáctico, quando fundou também uma nova sociedade de supressão espácio-temporal. Era o diretor, o líder, o pai e o deus de um reinado sistêmico "hippie-fascista" (na análise da historiadora Uliana Ferlim) cujos súditos se encontram, agora, em condição anômica. Algumas horas após sua morte, 340 habitantes de Titã já haviam cometido suicídio, 223 estavam internados em estado de choque e 1.765 se achavam desaparecidos. Será o fim de um novo mundo? As entrevistas concedidas à jornalista Ana B. Salgado (APatada), quando da fundação do Instituto, são republicadas aqui.


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APatada, 23 de maio de 2005
UM NOVO INSTITUTO DE PESQUISAS SOCIAIS

Entrevista com John C. Campbell


O sociólogo irlandês, residente nos EUA desde a década de 70 e naturalizado norte-americano, inaugura em junho um grande instituto de pesquisas sociais, de proposta multidisciplinar, associado ao MIT e à NASA. Conhecido no meio acadêmico como intelectual que acredita em revoluções sociais sem deixar-se aprisionar por dogmas de qualquer tipo, John ainda vê nas viagens espaciais e teorias cibernéticas o futuro da igualdade entre espécies humanas, animais e vegetais. Do Hotel Shelton, no Rio, ele concede à jornalista Ana B. Salgado esta entrevista.


Ana: O Sr. é conhecido no meio acadêmico por sempre apoiar sua produção intelectual na idéia de revolução. O que tem a ver sociologia com revolução? A que revolução se refere?

J.C.C.: Antes de mais nada, as idéias são coisas. O pensamento não é algo metafísico ou abstrato, mas matéria. Todos os que se dedicam ao trabalho intelectual deveriam estudar física, como eu estudei nos cinco primeiros anos de formação acadêmica. Não deixei a física para estudar sociologia. Meu projeto sempre foi refletir sobre o poder do pensamento, e para isso estudei não só filosofia e sociologia do conhecimento como também física, matemática, biologia, astrologia, cabala, cibernética, história, poesia, filosofias orientais, siberianas, amazônicas e subsaarianas. Daí a importância também de minha formação em antropologia, que me permitiu viver dois anos entre os Tungue, como iniciação científica.

Ana: Ao pensarmos, então, já fazemos revolução? É isso?

J.C.C.: Não, nem todo o pensamento é potencialmente revolucionário. Um pensamento revolucionário se identifica por sua lógica básica, que são as informações genéticas que ele contém antes de tornar-se idéia. Como as idéias são todas irmãs, elas vivem trocando de roupas e por isso a dificuldade em identificar o tipo de matéria de que são feitas. As idéias cuja lógica coincide com a ordem social são conservadoras e as que destoam são revolucionárias. A dificuldade, porém, está em compreender as idéias que destoam, porque nosso aparelho cognitivo não está preparado para isso. Para tanto, recomendo aos meus alunos uma série de exercícios, que eu mesmo desenvolvi, de alongamento do aparelho cognitivo. São exercícios igualmente teóricos e práticos, a partir do estudo de línguas e fonética, realidades virtuais, drogas, sensações físicas e mentais. Estou negociando com a NASA um convênio para a utilização de suas técnicas de treinamento de astronautas e viagens pelo Sistema Solar. Talvez isso já seja possível no próximo ano através do Instituto Campbell.

Ana: A revolução de que fala é puramente cognitiva?

J.C.C.: Não existem revoluções puramente cognitivas e este é o ponto-chave do meu pensamento. Se você está preocupada com a transição da humanidade para uma sociedade melhor, é o que quero também, e esse desejo orienta todo o meu trabalho acadêmico. Não me envolvo com partidos, sindicatos, ONGs, administrações ou governos, mas minha produção é integralmente política. A maneira como trabalho é procurando identificar qual é a lógica de base de uma sociedade melhor, mais justa, de respeito aos seres humanos, animais e vegetais. Todo o meu projeto está em descobrir o código genético dessa sociedade através do estudo de idéias hoje presentes e fragmentadas. Vou identificando e coletando aqui e ali estas séries de combinações informacionais para lançá-las em solo fértil e fazê-las frutificar em um novo mundo.

Ana: Ouvi falar que o Sr. está envolvido em projetos de colonização espacial. É verdade?

J.C.C.: Você deve ter acompanhado as informações emitidas pela sonda Huygens da Lua Titã. As condições são propícias e podem ser aceleradas através de impulsos elétricos e introdução de pequenos organismos, uni e pluricelulares, simulando o começo da vida na Terra. O resultado será muito semelhante, com algumas diferenças de temperatura e pressão gravitacional, o que não exclui a produção também de um homem adaptado a essas condições. Linearmente falando, isso não vai ser para a minha geração, nem para a sua, mas já estamos observando formas harmônicas de convivência entre espécies em ambientes fora da Terra.

Ana: Como seria?

J.C.C.: Um dos graves problemas de nossa sociedade na Terra é a separação entre trabalho intelectual e material. Minha produção intelectual, por exemplo, depende de um período do dia dedicado à atividade manual. Faço artesanato em barro e trabalho como marceneiro. Escolhi estas tarefas para não perder o contato com a elementaridade da vida orgânica e do universo. Deste contato faço meu critério de relevância para tudo o que produzo. As coisas que escrevo são feitas de barro e madeira, pedrinhas e folhas. A sociedade na Lua Titã se organiza dessa maneira, reservando para todos, mesmo às crianças, o tempo de trabalhar na produção de subsistência e o tempo de ler, cantar, dançar, divertir-se livremente. O trabalho material não é um castigo, mas um ritual de integração cotidiana com o cosmos. Não é visto como algo que purifica ou liberta, porque não há em que se “sujar” ou “aprisionar". Titã é herdeira da história da Terra, revista e criticada. Não há exploração do trabalho, nem desigualdade, porque estes foram os motivos da destruição do planeta Terra.

Ana: Há algum prognóstico?

J.C.C.: A integração econômica e política, a informatização da produção, a escassez de recursos naturais, os acidentes nucleares, alterações climáticas, criaram um big Titanic. Você deve ter visto o filme. A elite se salva em botes e os serviçais e a classe C afundam. Nessa altura é mais fácil viver em Titã do que na Terra. Abandonado, nosso planeta se recupera lentamente e cria uma vida própria, bem diferente da anterior, com um pequeno grupo de descendentes humanos, amimais e vegetais dos que sobreviveram entre ruínas.

Ana: E os outros voltarão?

J.C.C.: Não será a mesma coisa. Em Titã, estamos adaptados. A Terra sofrerá, por sua vez, alterações. Mas, é claro, se continuarmos mantendo um ritmo de desenvolvimento tecnológico em Titã, iremos à Terra com freqüência, até porque temos uma grande responsabilidade em relação a ela. Nós a destruímos e somos irmãos das espécies que não conseguimos salvar, mesmo que tenham sofrido mutações.

Ana: Será preciso morrer tanta gente e só restar uma elite para criarmos uma sociedade melhor? O Sr. chama isso de revolução?

J.C.C.: Sim, é muito cruel, mas é o que é. E não estamos encontrando maneiras de evitar isso senão fazendo tudo de novo.

Ana: E como será o governo em Titã?

J.C.C.: O Instituto de Pesquisas Sociais John C. Campbell será o governo. Por isso somos desde agora uma estrutura administrativa de gerenciamento da sociedade futura. Desenvolvemos teorias sistêmicas que desprezam definições geográficas e temporais e com isso conseguimos aqui e agora organizar toda a sociedade de Titã através de mecanismos aprimorados de governabilidade. Neste sentido, a revolução já aconteceu.

Ana: Como assim?

J.C.C.: Trabalhamos com a idéia de “concentração de tempos”, como diz o Chico Buarque, de simultaneidade e materialização. Se você quiser, eu posso contar como foi, como será, posso criar uma linha temporal, construir periodicidades. Você julgará a história terrível, trágica etc., com base em sua formação moral. Mas a verdade é que não há linhas de tempo, apenas emaranhados, ausência de começo e fim, onde e quando. Essas todas são categorias restritas ao tipo de sociabilidade que temos na Terra.
Ana: Então, simplificando, tudo depende do ponto de vista?

J.C.C.: Nem tudo depende do ponto de vista. Nosso ponto de vista é que depende de como vemos as coisas.

Ana: E como o Sr. lida emocionalmente com tudo isso? Gostaria de viver em Titã?

J.C.C.: Adoro. A vista de Saturno é maravilhosa, você precisa ver. Durante alguns meses, ele fica mais gigantesco de madrugada. A olho nu, as cores são vivas, há brilhos que variam conforme a órbita de Titã que não se pode ver nas fotos. Para você ter uma idéia, ele ocupa toda a minha janela da sala, avarandada de 2,5 de altura por 6 metros de extensão, e ainda ficam de fora 2/3 dele. Isso sem contar com os anéis. No início sentia um grande medo, mas fui me acostumando. Nessa hora paro tudo, preparo um leite de Rifna com gelo e fico reparando as linhas, manchas, sombras. Depois volto ao redator. A vibração de Saturno é muito forte e é bom senti-la de vez em quando. É uma das fontes de nossa energia em Titã.

Ana: Sr. Campbell, muito obrigada pela entrevista e sucesso na inauguração do Instituto. Desculpe ocupar tanto seu tempo.

J.C.C.: Nada disso. Eu é que agradeço você ter me dado ouvidos. Aliás, “olhos, boca, narinas e orelhas”, como diria Caetano. Os brasileiros são muito criativos (risos).




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APatada, Junho/Julho de 2005
De volta ao Brasil, John C. Campbell concede nova entrevista à Ana B. Salgado, no Hotel Shelton, onde comenta o último ataque terrorista internacional, a situação política brasileira e o sucesso do Instituto Campbell, recém-inaugurado.


Ana - Como sociólogo, o Sr. tem algo a acrescentar sobre este último ataque terrorista em Londres?

Campbell - Não bem como sociólogo, porque não fiz nenhuma pesquisa sobre isso, mas como espectador, diria que este ataque foi muito comovente, mas não mais que os sucessivos ataques terroristas em território iraquiano por parte dos sunitas, com um número de vítimas várias vezes superior. A maneira como estas notícias são apresentadas apenas vem reafirmar o já conhecido, que para a política internacional um londrino vale cem vezes mais que um iraquiano, por exemplo.

Ana - Para a economia internacional também...

Campbell - Perfeitamente. Um atentado em Londres altera bolsas de valores. A morte de iraquianos não faz a menor diferença, é como se não fosse nada.

Ana - Como mudar isso?

Campbell - É um efeito dominó. Há sempre um apelo do Governo atingido para que o cidadão seja mais forte que estas ações bárbaras, mas é ridículo, porque um ser humano não pode ser mais forte que uma bomba capaz de matar dezenas deles. A verdade é que somos impotentes e para nos superar sentimos revolta, raiva, ódio, que acabam sendo catalisados e dando suporte à agressão do Governo contra uma outra população também indefesa, de um outro país, e aí, você sabe, é uma bola de neve. No meio disso há escalas de valoração, generalizações, religião, o que complica ainda mais as coisas. São também estimulados preconceitos e outros tipos de irracionalidade dentro do próprio país, por parte do governo estúpido, policiais ignorantes e cidadãos medíocres. Não imaginam que quem sente valer para o mundo cem vezes menos que um londrino, sendo religioso, facilmente buscará a glória fora da Terra, de alguma maneira. Por isso ainda acredito que o princípio da igualdade possa ser conveniente a todos e gostaria que todas as culturas e religiões tomassem este princípio como o mais elevado de seu sistema de valores. Em matemática diria que todos os sistemas culturais deveriam se igualar à função da igualdade.

Ana - A antropologia poderia ajudar a compreender e reduzir o terrorismo dos grupos extremistas islâmicos?

Campbell - De modo algum. Essas pessoas de fé religiosa que se explodem acreditando ser recompensadas num outro mundo não são a origem do problema. São apenas instrumentos daqueles que são a cabeça da organização terrorista, que pode não ter nada de religiosa em seus objetivos e métodos. E provavelmente não tem. São grupos movidos por interesses materiais de poder e riqueza que precisam ser desmascarados. Os 'homens-bomba' são vítimas desses grupos e é preciso que isto seja dito em voz alta. O que ajuda a entender o terrorismo não são os trabalhos acadêmicos sobre o Islã. O que deve ser feita é uma investigação policial de alto nível, com gente competente, equilibrada, de boa formação moral e intelectual e especializada em organizações clandestinas terroristas. Gente que saiba falar e compreender as línguas utilizadas nestas ações. Por outro lado, parece não interessar aos países que são vítimas do terrorismo que se entenda verdadeiramente o que se passa. O ataque terrorista permite que o Estado atingido manipule seus cidadãos, apresentando-se como protetor e estimulando o ódio contra outros grupos. Porém, esse aproveitamento do terrorismo tem se tornado pouco vantajoso, e logo não mais funcionará. Será preciso, enfim, enfrentar o problema de cara, mas sem fantasias sobre o Islã, Corão, Bin Laden, Mil e Uma Noites e outras baboseiras de almanaque. O Orientalismo, como invenção ocidental, já era, e foram os intelectuais do Oriente que chamaram atenção para essas alegorias que nada explicam.

Ana - O Sr. deve estar acompanhando a fase histórica dramática em que se encontra o Brasil. Fez alguma avaliação?

Campbell - Você tem razão ao chamar o que está acontecendo com o Brasil de ‘fase histórica dramática’. Talvez os brasileiros ainda não tenham tomado consciência disso, - mas eu já, - porque os meios de comunicação e a oposição, por mais que denunciem, não fazem a menor questão de substituir este governo por outro no momento e, sendo assim, involuntariamente amenizam as coisas, reduzem sua gravidade, protegem o presidente etc. De Titã posso pegar várias ondas de rádio, AM, FM, ondas curtas e médias, e compor uma avaliação mais ‘trash’ e, portanto, crua ou integral do problema. Esta fase deixará uma triste marca moral no país que demorará muitas décadas para cicatrizar. Com todos os problemas políticos que o Brasil já viveu, os brasileiros sempre tiveram uma referência política de consolo e esperança que se opunha aos autoritarismos e injustiças de todos os tipos. Eram grupos que defendiam o direito do trabalhador, das mulheres, a igualdade etc, normalmente de formação esquerdista relacionada a alguma variação do marxismo. O PT, como todos sabem, foi a última grande oposição, nascida da luta sindical e contra a ditadura militar, que em épocas de eleição era capaz de agregar todas as outras pequenas esquerdas em torno de si, como um grande partido-guarda-chuva-vermelho. Era também o partido imaculado, bandeira de honestidade e luta contra a corrupção dos outros. Pois bem, este partido, ao brigar pela presidência, desfez-se, e como governo acabou de enterrar-se. Tudo começou com a preocupação em mostrar a todos os atores econômicos nacionais e internacionais que sua política econômica não seria de esquerda e sim inofensiva, para tranqüiliza-los. Imitaram tanto a direita que passaram a adotar não apenas a postura como os métodos, a falta de escrúpulos que sempre criticaram, e que pelo visto já vinham utilizando há um bom tempo. A luta pelo poder para não fazer nada para o povo, senão para a conservação do poder, repetiu-se idêntica ou pior, porque desta vez não se tem mais uma oposição de referência ética, capaz de pressionar, impedir, corrigir, e as referências éticas estão sendo expulsas do partido ou abandonando lentamente o PT. Até se formar uma outra esquerda forte no Brasil, que acredite num mundo mais justo com dignidade, honestidade, trabalho, igualdade, vai demorar...

Ana - A juventude brasileira pode contribuir?

Campbell - O problema é que não vejo uma juventude esclarecida 'brasileira' no sentido político. Por que ‘país’ esta juventude vai brigar? Os jovens bem instruídos estão tomando horror à política tradicional, com razão, e não se sentem brasileiros quando se trata de política. Há uma identidade cultural brasileira, mas não política. Para os jovens esclarecidos, bem educados, que conhecem o mundo, a política institucional é uma chatice, e além do mais corrupta, velha e feia. Boçal. Tudo isso que está acontecendo vem confirmar e acentuar esta impressão. A briga global por um ‘outro mundo’ parece mais sedutora, mas por enquanto é completamente ineficaz. Não passa de um delírio em termos práticos, embora seja fundamental no plano ético.

Ana - Deve então ser estimulada?

Campbell - Sim, dou o braço a torcer, é a única coisa boa que tem acontecido no cenário político mundial. São esses fóruns sociais globais... Outro movimento interessante que está surgindo é o MONAPP (Movimento Nacional pela Abertura das Portas da Prisões). Parte do princípio de que se um governo nacional é corrupto e não pune seus membros, não pode manter prisioneiros nos cárceres nacionais por roubo, tráfico, contrabando, suborno ou mesmo assassinato. É um movimento radical pela igualdade de direitos.

Ana - Como o Sr. definiria essa 'política' pela qual os jovens se interessam?

Campbell - É uma política mais voltada para o movimento, sem um compromisso institucional a longo prazo. Mesmo nas organizações chamadas ONGs há uma grande rotatividade de participantes para além dos quadros dirigentes, que podem passar décadas em atividade. E os afiliados não são aqueles que participam das reuniões de diretório, como num partido, mas os que doam mensalmente sua contribuição em troca de algumas vagas informações sobre a atividade da ONG.

Ana - Essa quase ausência de participação ainda pode ser caracterizada como 'política'?

Campbell - Pode sim ser caracterizada como um tipo de cultura política. Embora esta cultura não tenha ainda sustentação institucional que a represente de fato, - (talvez mais tarde ela irá aparecer), - é forte o suficiente para impedir um golpe militar no Brasil atual, por exemplo. Trocando em miúdos, do jeito que as coisas vão por aqui, só não acontece um golpe porque não seria 'fashion', tampouco 'dance'. Com o gótico-erótico das correntes e chicotes até rolaria, mas isso foi mais década de 80, exatamente no momento da abertura.

Ana - O Sr. não acredita que o presidente Lula possa reverter este quatro?

Campbell - Gostaria de acreditar, mas infelizmente não é possível. A figura de Lula, do modo como foi construída por ele e seus publicitários, apenas estimula a ignorância e a despolitização popular ou não faz nada no sentido de reduzi-las. Do ponto de vista moral, esta figura é fraca. Foi criada uma aura de iluminação em torno de Lula, ao estilo de um messianismo pouco elaborado, que emanaria não de sua coragem histórica, sua luta coletiva ou crescimento intelectual. Lula está ungido de uma santidade estranha, porque absolutamente paradoxal, embora muito comum atualmente entre as igrejas evangélicas. Algo que poderia chamar de ‘iluminação da grana’ ou ‘luz verde’. Na prática, seu único êxito foi o sucesso material. Lula não tem sido um grande governante, tampouco um sábio ou culto, mas se gaba de ter saído do sertão e chegado à presidência do Brasil. Esse percurso pessoal não tem nada a ver com compromisso coletivo, abdicação, doação, sacrifício, ética e, no entanto, é explorado pelo próprio presidente como se fosse. Trata-se apenas de ascensão econômica e, frisemos, individual, não de uma classe. O que ocorre hoje demonstra que Lula forjou-se como homem dedicado a reivindicar, muito antes da liberdade e igualdade de direitos, um padrão de vida burguês para um pequeno grupo de operários do ABC.

Ana - E o Instituto Campbell, como foi recebido pela opinião pública internacional?

Campbell - Ora, como diria o colega Bourdieu, ‘a opinião pública não existe’. O Instituto Campbell é um sucesso e não estou nem um pouco preocupado com a ‘opinião pública’.

Ana - O Sr. é interpretado por alguns de seus simpatizantes como um ‘resistente’. Também se vê desta maneira?

Campbell - De modo algum. A verdade é que sou um irresistente. Não resisto a mim mesmo.

Ana - Irresistente ou irresistível?

Campbell - Isso você é quem deve responder (risos).
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Criação de Samira Feldman Marzochi