sábado, junho 20, 2015

A Economia dos Sonhos



Conta um mito ameríndio das ilhotas do grande Rio Amazonas, registrado em diário do século XVII pelo português marrano José Oliveira, - mascate que se enraizou no norte brasileiro casando-se com Poti e Maria Amélia e deixando dezenas de filhos, entre os quais três padres, uma feiticeira, uma guerreira tupi e um terrível capitão do mato, - que o sonho era um deus chamado Tibiquera. Dorminhoco numa terra sem males situada a oeste do Rio, este sentinela invertido despertava apenas para tirar dos sonhadores o tempo de vida que davam em troca do conteúdo que ele sonhava. Dotado do poder de inventar enredos oníricos, Tibiquera não poderia fazê-lo a partir do nada, e então usava a vida dos homens como material para produzir as imagens dos sonhos. Era assim que, no sonho, o cotidiano aparecia engraçado, Tibiquera mudava todas as ordens, o que era impossível acontecia e o que era absurdo podia existir. Mas ocorreu certa vez que, segundo José Oliveira, a população daquelas ilhas se aborreceu com as cobranças exageradas deste deus. Logo após a chegada de portugueses e franceses que trouxeram artefatos diversos aos índios e lhes contaram muitas histórias, uma grande parte da aldeia foi acometida de sono e delírios, encontrando o fim precoce de seu tempo neste mundo. O pajé atribuiu as mortes ao excesso de sonho que tinha de ser necessariamente trocado pelo tempo de vida exigido por Tibiquera. Desde então, a aldeia é regida por uma lei superior: para não se deixar consumir pela imaginação, tornou-se proibido sonhar sozinho, pois sonhando junto os mesmos sonhos, o tempo de vida seria também partilhado. É possível ainda hoje observar que na aldeia de José Oliveira, agora uma vila nomeada Oliviana, composta de seis pequenas ilhas interligadas por pontes que formam no mapa uma estrela, todos dormem de mãos dadas.



Samira Feldman Marzochi,
"A Economia dos Sonhos” em Mitos Inventados.