Objeto A: um fenômeno físico
Entrevista com Tânia Schneider
Por Tomás Leonel, para a Frincha
Professora Tânia, você acabou de lançar seu novo livro, pela
BlackBell, que já está na segunda edição, sobre a confluência entre a física e
a psicanálise para a exploração do “Objeto A”, conceito de Lacan. De que modo
surgiu a ideia de utilizar a física como metáfora para a compreensão de
fenômenos psicanalíticos?
Minha primeira formação foi em física, interessei-me depois
por sociologia e só então passei a estudar psicanálise que considero uma das
sínteses possíveis, e das mais interessantes, entre as diversas formas de
conhecimento. Meu livro Objeto A: um fenômeno físico se apropria da Segunda Lei
da Termodinâmica e da teoria da formação dos buracos negros para explicar o que
nos motiva, a razão pela qual sempre buscamos algo, fazemos certas escolhas, as
causas das nossas angústias, da sensação de perda, do desespero, do
pânico, das compulsões...
Seu livro tem sido considerado pouco rigoroso pelas escolas
de psicanálise. A que você atribui esta crítica?
É o preço que pagamos pela criatividade e pelo desapego. Meu
conceito de Objeto A, Objeto “Autre”, é, de fato, uma interpretação livre. Grosso
modo, para Lacan, o Objeto A não é o objeto que foi arrancado de nós, “a perda
do objeto” ou “o objeto perdido”, como em Freud, mas o “objeto da perda”, o que
pretendemos colocar no lugar do que perdemos. Isso tem muito a ver com a noção
de Entropia, com a ideia de que tudo o que existe tende à desorganização
estrutural e ao desaparecimento. Os buracos negros seriam a realização desta
lei levada ao paroxismo. As estrelas nascem e morrem inevitavelmente. É como se
tudo o que existisse, por estar destinado à autodestruição, contivesse em si um
buraco negro virtual por onde a existência escoa. Assim acontece com as
pessoas. Estamos fadados à morte, tanto orgânica quanto social, temos essa
percepção desde que nascemos e então buscamos evitar o nosso desaparecimento
tentando vedar nossos buracos negros com “objetos” fora de nós que virtualmente
se encaixem neles. Por isso o que desejamos pode variar ao longo da vida, e
entre as diferentes pessoas, porque muda a nossa percepção deste “buraco”. O
importante é considerar que esta motivação nos direciona, confere sentido às
nossas ações, e quando sentimos que não estamos no caminho certo do encontro
destes objetos, surge a angústia, a compulsão ou o pânico, a certeza de que
estamos apenas vazando, perdendo-nos, e de que nada fazemos para impedir o fim.
Trata-se da “pulsão de vida” contra a “pulsão de morte”, de
Freud?
De certo modo, sim, refiro-me à tensão entre a tendência à
desorganização irreversível dos sistemas físicos e o esforço que faz o “Demônio
de Maxwell” para evitar a Entropia; entre a pulsão de vida e a de morte, se
assim preferir. O fato é que todo o nosso empenho é pela sobrevivência, pela
perpetuação. Trabalho, filhos, amores, projetos, consumo, identidade, tudo pode
estar no pacote do que poderia estancar este furo por onde a vida se vai. O
barato é que, por sermos humanos, vamos além da simples reprodução orgânica,
nossas metas são definidas pelas experiências culturais, a começar pela herança
familiar, pelas instituições escolares, pelo tipo de sociabilidade, pelas
exigências profissionais e afetivas.
Então, o Objeto A não é o “objeto de desejo”, como se costuma
pensar?
Esta afirmação talvez não seja precisa, assim como aquela
que diz que o Objeto A é a causa do desejo. A rigor, a causa do desejo é o furo e não o objeto. O que desejamos
urgentemente é lacrar, com todas as nossas forças, este verdadeiro rombo
existencial. É neste projeto que depositamos a maior parte de nossa energia
física e psíquica. Embora não seja o objeto de desejo ou o desejo de desejar, o
Objeto A se relaciona estreitamente com a questão do desejo, mas de outra
maneira: como desejo de ser desejado, de
ser querido, o desejo de que os outros desejem que sobrevivamos, que
continuemos vivos. O desejo de ser amado seria, como na expressão italiana “io
te voglio bene”, o desejo de ser querido bem, inteiro, sem avarias e perdas,
intacto, integral, como viemos ao mundo. Por isso as experiências consideradas
boas podem trazer a sensação de renascimento ou de reencontro com uma suposta
“verdadeira” identidade.
Isso explicaria, por exemplo, as paixões obsessivas?
Certamente. As obsessões por alguém, pelo dinheiro ou por um
time de futebol, por exemplo, resultam de uma projeção fixada, quando o buraco
que se tem não muda de forma ao longo da vida, como seria saudável que
ocorresse. Sendo uma projeção possível em infinitos elementos, o Objeto A não
precisa ter uma forma única porque nosso buraco negro também não tem. O
sujeito imagina que sem aquela pessoa, dinheiro ou bandeira, não sobreviverá,
deixará de existir, pois não conseguiria bloquear seu furo e estancar a
sangria. Por isso o Objeto A pode ser também compreendido como um espelho que
omite a falta, que representa a nossa integridade, uma vez que "Sujeito + Objeto A" resultam no que seria idêntico a nós mesmos (Sujeito + Objeto A = Identidade). O que muitas vezes parece vaidade, fanatismo, orgulho, obsessão,
pode ser a luta desmedida e desesperada pela sobrevivência.
Mas é uma patologia...
Sim, quando esta luta se transforma em doença, precisa ser
tratada.
Como seria o tratamento?
O ponto de equilíbrio é próprio de cada um e há múltiplos percursos até ele, mas talvez seja necessário fazer como os sábios: naturalizar o fim.
Como seria o tratamento?
O ponto de equilíbrio é próprio de cada um e há múltiplos percursos até ele, mas talvez seja necessário fazer como os sábios: naturalizar o fim.
O objeto A é, então, uma rolha?
Sim, é isso (risos). Mas não é só, tem suas implicações,
como vimos, e, além do mais, nunca consegue cumprir esta função.
E os animais, também perseguem o Objeto A?
De algum modo, é verdade, eles também buscam afeto, reprodução e
alimento, sobrevivência, também desejam se sentir desejados. Mas, para estudá-los, precisamos ultrapassar o campo da linguagem que é central para a compreensão da
subjetividade nas ciências humanas. Isto é, precisamos alargar nossa concepção
de subjetividade em direção a algo que inclua, também, a comunicação não verbal.
Isso é possível?
Ainda não sei, será o desafio de meu próximo livro.


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